domingo, 21 de março de 2010

Pôr-do-sol

Hoje parei para ver o pôr-do-sol, assim sem motivo algum. A luz alaranjada cortou minha janela e veio ter com os meus olhos um encontro raro. Percebi então que tenho cada vez mais perdido da vista as cores da vida. Sei que cheguei ao fundo, pois registrei numa fotografia o céu daquele momento. Ele estará no mesmo lugar, todos os dias até que eu não esteja mais aqui, e muito além disso, ainda assim, guardei-o na gaveta como quem guarda qualquer memória usada. Guardei com medo de nunca mais vê-lo, medo de que amanhã o Sol nem nasça, ou que o tempo nuble e o esconda sobre as nuvens. Que medo tolo. Estou deixando a rotina me secar.
Tenho visto o tempo como uma pequena ampulheta, como poucas horas escorrendo devagar, mas consumindo vorazmente cada segundo, comendo da minha fome, bebendo da minha sede, vivendo da minha vida de forma tão intensa, que cada um dos segundos estilhaçados, leva consigo outros segundos, e durante um só suspiro, feito um ciclo vicioso, um dia inteiro escorreu pelo ralo, deixando-o entupido... Deixando-me engasgado.
Hoje parei para ver o pôr-do-sol, e vi também, muitas horas depois, uma borboleta repousando no chão. Tomado por uma irracionalidade, quase a pisoteei, mas, graças! Não o fiz. Ajoelhei-me, e colocando a ponta do dedo indicador ao seu lado, deixei que ela subisse em minha mão e me levasse para voar, pois tenho andado muito por terra, e toda essa poeira urbana entope o pulmão. Os olhares da rua tem me intimidado, conjugo o verbo passear somente recheado de vergonha. Parece até que procurar a paz se tornou uma mistura de crime e compromisso... Temos que marcar hora para ouvir os passarinhos piando, e temos que fazê-lo escondidos. Logo mais, não duvido, será preciso os engaiolar para poder, na privacidade de nossos lares, escutar que seja uma triste canção de cárcere. Que desumanidade, tirar dos céus a melodia para alimentar tão mesquinho desejo.
No meu corpo, tudo o que me fazia vivo tem se rendido a mecanização. Meu coração tem batido só para pulsar o sangue, não marcam mais embalos ou paixões. Minhas pernas correm mesmo quando estou parado, se movem com medo de ficarem para trás, como se tudo fosse uma grande maratona. As mãos e lábios, céus, não contam mais histórias, a escrita tem saído muda e a voz tem grafitado em branco.
Hoje parei para ver o pôr-do-sol, e, ao final das contas, foi ele quem parou para me ver. E ele me contou que por trás de todas as nuvens coloridas, o tempo tem mais areia que mil Saharas, e que tal como a borboleta, ao chão só cabe o nosso repouso, pois viver é voar.



E como foi lindo o pôr-do-sol de hoje... Respirei de um sossego que a muito não respirava, e pude, ainda perdido em tal, tecer da calmaria as palavras que aqui foram registradas.

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