sábado, 6 de junho de 2009

Bossa

Cantava baixinho uma bossa qualquer, daquelas que falam das paixões da vida do poeta. Fazia-o tão distraída, que até então não saberia nem dizer se estava mesmo lá. O alvoroço a nossa volta, o restaurante, o mundo soava tão vazio para mim, forma qual além da canção, não havia mais nada. Todas as conversas ao meu redor eram mudas.
Eu também estava mudo... E meu reluto por falar não se resumia só a quebrar a sintonia do silêncio das mesas a minha volta, tampouco em cessar o cantar da amiga, que volto a dizer, talvez nem estivesse mesmo lá. Peguei meu prato e fui até o bufê.
Servi-me ainda calado, mas com palavras lutando para escapar... Estranho o jeito dos homens, de hesitar tanto para falar de flores. É besteira isso, penso eu. Mas como homem, também insisto em hesitar.
De volta a mesa, pensei mais mil poréns para ficar quieto, porém, "porém" algum serviu para me contentar. Engoli o tomate em seco, e deixei que fugisse por minha garganta que quer que estivesse entalado;
-Doce, 'tô sentindo falta de alguém aqui... Mas é de alguém que nem conheço... - Doce saiu de seu mundo tão repentinamente, que por um segundo, pareceu-me até ter se assustado. Apesar disso, sua voz não faltou com a casual meiguice ao falar comigo...
-Mas como assim? Falta de quem?
-Ah... Você não repara muito nas pessoas que almoçam por aqui todos os dias, né?...
-Acho que não muito. Você repara? - Veio um "sim' logo de cara em minha cabeça, porém o que saiu entre os lábios foi um mentiroso "não".
-Deixa pra lá, isso é coisa da minha cabeça... Disse isso voltando minha atenção ao prato ainda pela metade, e Doce, quando menos percebi já estava outra vez longe dali, perdida em uma outra velha bossa nova. Lembro-me, quando nos conhecemos eu estava a tocar violão em uma festa. Ela se sentou ao meu lado, e de início, ainda meio acanhada, ficou quieta só ouvindo. Ao entrar da madrugada, começou a cantar junto, pedir músicas, e entre outras, logo nos amigamos. Desde aquele dia até hoje, não vi (nem ouvi) uma música sequer que ela não conhecesse.
No dia seguinte, a cena se repetiu; Entrei no restaurante, e antes de me sentar busquei atento um par de olhos claros. Novamente não os achei. Doce segurou meu braço e me puxou para uma mesa próxima a janela, como quase sempre fazia. Ficamos sentados em silêncio, hoje ela não cantava, mas conservava na face o timbre de sempre. Pude ver além da janela o Sol à pico, fazia calor lá fora, porém dentro, bem no fundo, quase nevava.
Doce, após um longo suspiro, falou;
-Você estava a procurando, não é? - Estranhei a pergunta, fugi do assunto;
-Procurando o que?
-Você sabe... Os olhos...
-Olhos? - insisti em tentar fugir...
-Sim, aqueles olhos que você sempre procura. Eu sei quem lhe fez falta ontem.
-É... Ahh, eu sou tão na cara assim?
-Na verdade, é. Nunca falou com ela?
-Não... Tento tirá-la de minha cabeça quase sempre. Não vou perder meu tempo cultivando uma roseira que não vai dar flor.
-Se você acha... Bom, nem só roseiras dão flores... - Doce se levantou, e parou ao meu lado, a partir de então, tudo o que aconteceu foi feito um sonho acordado. Curvou-se próxima a minha face, e beijou-me de um jeito qual tenho certeza que só ela faria. Fiquei sem reação, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, Doce saiu andando. Cantava... ''O amor se deixa surpreender enquanto a noite vem...''
Passaram-se três semanas, e o cotidiano, sempre seguido a risca, fez-me entrar outra vez no restaurante. Busquei, ainda que em vão, olhos perdidos n'algum lugar. Sem vê-los, sentei-me em qualquer mesa de canto. Sozinho, sem bossa... E os olhos? Que me dizem por esperá-los?

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